Publico aqui o texto no qual se baseou a breve comunicação que proferi no dia 11 de março de 2023, na Mesquita Central de Lisboa, durante a sessão de lançamento do livro Adalberto Alves: 40 anos de vida literária (Edições Universitárias Lusófonas, Comunidade Islâmica de Lisboa), do qual sou um dos organizadores, juntamente com Maria João Cantinho.
BismiLlāh al-Raḥmāni al-Raḥīm
As-Salām ‘alaykum, boa tarde a todos e todas,
Quero em primeiro lugar agradecer a Adalberto Alves, às Edições Universitárias Lusófonas e à Comunidade Islâmica de Lisboa por terem permitido a publicação do livro Adalberto Alves: 40 anos de vida literária, e ainda à Comunidade Islâmica de Lisboa, na pessoa do seu vice-presidente Abdul Razac Seco aqui presente, por hospedar este evento de lançamento do próprio livro, na Mesquita Central de Lisboa.
Quero agradecer à poeta e professora Maria João Cantinho, por ter partilhado comigo a honra e o prazer de coorganizar o volume, e ao tradutor e estudioso Hugo Maia por ter sido, juntamente comigo e com a mencionada Maria João Cantinho, um dos comissários da homónima mostra decorrida em 2020 na Biblioteca Nacional de Portugal, que deu início ao projeto de homenagem a Adalberto Alves que com este livro se completa.
O meu agradecimento dirige-se igualmente às entidades que apoiaram esta publicação, ou seja, à já referida Biblioteca Nacional de Portugal e à Fundação Islâmica de Palmela.
Não posso deixar de endereçar uma palavra de agradecimento a todos os autores e às outras personalidades que publicaram neste livro os seus contributos – depoimentos, ensaios, imagens e entrevistas – em homenagem a Adalberto Alves, e ainda à D. Maria Adelaide Alves, esposa do homenageado, por ter fornecido uma preciosa e imprescindível ajuda durante estes anos de trabalho.
O projeto de homenagear este ilustre poeta e estudioso nasceu em 2019, aquando dos 40 anos desde a publicação do primeiro livro de poemas do autor, Uma Obscura Visão (1979).
Quanto foi inaugurada a mostra dedicada a Adalberto Alves, em concomitância com outra, dedicada a Al-Muʿtamid: poeta do Gharb al-Andalus, o auditório da Biblioteca Nacional de Portugal estava cheio como eu nunca o tinha visto durante quase duas décadas de frequentação desta prestigiosa instituição. Sinal, este, do impacto e da afeição que a obra de Adalberto Alves tem gerado nos milhares de leitores à qual chegou, tanto na sua vertente poética, como ensaística de cariz arabista.
São, estas duas, as diretrizes principais e mais conhecidas do trabalho intelectual e autoral de Adalberto Alves. Nestas minhas sucintas notas, quero sobretudo dedicar-me à segunda vertente, deixando a Maria João Cantinho a falar, mais adiante, da poesia do autor.
Em primeiro lugar, se nos questionarmos sobre qual é o objetivo de todo o trabalho literário e intelectual, a resposta é simples: é o de melhorar o ser humano, isto é, de melhorá-lo no desenvolvimento das qualidades mais virtuosas que o próprio ser humano tem de cultivar para cumprir plenamente a sua missão na vida. Não é por acaso que cultivar e cultura partilham a mesma etimologia. Este objetivo não é apenas cumprido a nível individual, mas mais propriamente quando o melhoramento envolve a comunidade, e ainda mais quando se concretiza no encontro cordial, fraterno e amigo entre comunidades diferentes.
Adalberto Alves conseguiu este objetivo através da sua obra, e uma entre muitas provas disso é a extraordinária participação coletiva que se deu, tanto em 2020 em termos de visitas à exposição, como hoje, neste evento de lançamento de um livro a ele dedicado.
Principalmente por esta razão: obrigado, Adalberto Alves!
No que respeita à sua atividade enquanto estudioso, ensaísta, divulgador e intérprete das culturas árabe e islâmica, Adalberto Alves realizou um trabalho particularmente relevante em Portugal, não só em termos literários, mas também no que diz respeito à desmistificação do Islão em tempos particularmente conturbados, sobretudo após os trágicos eventos de 11 de setembro de 2001, a partir dos quais assistiu-se, no chamado Ocidente, a um ulterior pioramento das representações mediáticas do Islão, que fortaleceu estereótipos orientalistas – já anteriormente enraizados – e de choque entre civilizações.
Adalberto Alves tem sido, neste campo de estudos, e para muitas pessoas, uma porta, um ponte, um instrumento da Paz, um ator cultural que conseguiu, não só despertar uma viva curiosidade para este universo cultural, e particularmente para a presença arábico-islâmica na Península Ibérica medieval (al-Andalus, 711-1492), mas também contribuir como talvez nenhum outro escritor das últimas décadas para o reconhecimento da proximidade e da irmandade entre a cultura portuguesa e a cultura islâmica, assim promovendo o recíproco respeito entre culturas, civilizações e religiões.
Entre as muitas obras que ele dedicou a estes temas, por vezes resgatando e salvaguardando um património até então pouco conhecido ao público em geral, algumas já são consideradas clássicos da cultura portuguesa contemporânea, como é o caso de O Meu Coração é Árabe (1987), antologia dos poetas do ocidente ibérico durante o período islâmico medieval (Gharb al-Andalus, 711-1249), traduzidos pelo próprio Adalberto Alves. Entre outro títulos, destacam-se também Portugal e o Islão (1991), Al-Muʿtamid: poeta do destino (1996) dedicado ao maior poeta do Gharb al-Andalus, do qual Adalberto Alves tem sido o mais ativo tradutor para português, Ibn ʿAmmār al-Andalusī (2000, com Hamdane Hadjadji), As Sandálias do Mestre (2001), livro dedicado ao Sufismo, e ainda Em Busca da Lisboa árabe (2007) e o importante Dicionário de Arabismos da Língua Portuguesa (2013).
Adalberto Alves é um intelectual independente, em muitos aspetos surpreendentemente autodidata, mecenas de si próprio, incansável no estudo e na rica e multifacetada produção literária. Devedor de arabistas e historiadores portugueses, entre os quais Garcia Domingues e António Borges Coelho (como ele próprio me disse numa entrevista inédita que serviu para a produção da exposição de 2020), Adalberto Alves tem sido por sua vez um impulsionador e um provocador – no bom sentido da palavra – dos estudos árabes e islâmicos em Portugal. Trata-se de uma área que ainda se encontra num estado incipiente a nível de projetos académicos e científicos institucionais, como o próprio declara:
[…] ainda falta cumprir, a nível académico, a introdução curricular dos estudos arábico-islâmicos, em todas as suas vertentes: linguística, história, ciências, sociologia, religião, espiritualidade e cultura. Sem isso, não é possível aspirarmos à criação generalizada de instituições que formem de uma maneira continuada os especialistas e investigadores no campo do arabismo e da islamologia.
(Adalberto Alves: 40 anos de vida literária, p. 221-222)
Vários académicos neste campo de estudos reconhecem-lhe, aliás, os seus contributos, um deles sendo o professor Adel Sidarus da Universidade de Évora, aqui presente hoje na sala e ao qual dirijo uma calorosa saudação assim como um sincero agradecimento, inclusivamente por ter publicado um depoimento no volume que hoje apresentamos.
Ainda sobre o contributo de Adalberto Alves para a interpretação da cultura arábico-islâmica, assim falou Koichirō Matsuura, director-geral da UNESCO, no discurso da cerimónia oficial de entrega do Prémio Sharjah- UNESCO para a Cultura Árabe, atribuído a Adalberto Alves em 2008:
[…] Trabalhou para pôr em relevo os valores comuns, para fazer redescobrir os contactos esquecidos, para preservar o património literário e científico árabe… Todas as suas funções oficiais, passadas e presentes e as suas ações são outros tantos caminhos nos quais convida os povos a empenharem-se no diálogo e numa estima recíproca. Queira aceitar aqui a expressão da nossa homenagem coletiva […]
Para além da poesia e da vertente arabista, Adalberto Alves publicou escritos sobre música (uma das suas maiores paixões), ecologia, zoologia, jurisprudência – tendo trabalhado durante décadas como advogado – e política. Nestas últimas vertentes, destaca-se na sua biografia o facto de ele ter defendido, enquanto advogado militante, personalidades consideradas adversas ao regime durante o Estado Novo salazarista, no contexto do Tribunal Plenário. Da mesma forma, relembre-se a sua atenção, patente através da sua obra Palestina: a saga de um povo (2002), para os sofrimentos dos palestinianos.
Poeta, eis o que Adalberto Alves se considera, acima de tudo:
Em mim, tudo é percebido através da lente poética que desembacia os símbolos do desencontro, fabricados pela frequente insanidade que nos ameaça.
(Adalberto Alves: 40 anos de vida literária, p. 269)
A este poeta, autor de uma obra literária e intelectual ao serviço do encontro, quero ainda agradecer pelo nosso próprio encontro pessoal, através do qual tive acima de tudo o grande privilégio e a honra de ganhar um amigo. Será, a amizade, o fruto mais doce destes anos de colaboração e convívio cultural.
Para finalizar, relembrando que daqui a poucos dias, se Deus quiser, começa o mês de Ramadão, queria ainda referir o título de um livro de poemas de Adalberto Alves, A Noite do Destino (1993), para realçar uma clara menção a laylat al-qadr (‘a noite do destino’), a noite do mês de Ramadão em que o profeta Muḥammad – a Paz esteja sobre ele – recebeu a primeira revelação do Alcorão (96: 1) através da perentória ordem de Deus – Allāh, louvado seja Ele – ao ser humano:
Lê!
[iqra]
Obrigado a todos pela atenção.
Fabrizio Boscaglia



Deverá estar ligado para publicar um comentário.